Análise a THE OFFERING – A MALDIÇÃO DO DIABO

★★★ – Uma história baseada na lenda de Abyzou, a ‘tomadora de crianças’, e que cruza a cultura e mitologia judaica com o terror da possessão.

‘The Offering – A Maldição do Diabo’ estreia nos cinemas portugueses a 15 de Junho.

Escrito por Hank Hoffman e Jonathan Yunger, a estreia em longas metragens do realizador Oliver Park conta uma história que tem por base a lenda de Abyzou, um demónio feminino da mitologia judaica que remonta ao século I no leste da Europa, e que é descrito em amuletos, pinturas e histórias como, ‘a tomadora de crianças’. No folclore da época, Abyzou, por inveja devido à sua própria infertilidade, foi culpada por diversos abortos e mortes de crianças.

A antiga lenda é agora transportada para o século XXI, abrindo com uma melodia trágica e emocional num subúrbio de Brooklyn, onde um historiador judeu tenta selar um demónio no próprio corpo após o argumento dar a entender que a criatura assassinou a sua família, sacrificando-se no ritual. A introdução de The Offering oferece imediatamente um olhar à qualidade da cinematografia e arte tão essenciais à atmosfera do filme, com inúmeras prateleiras de livros, mobília antiga, e luzes de um laranja escurecido que estarão sempre presentes nos seguintes 90 minutos, transportando a audiência para o que é um filme de terror passado maioritariamente numa casa aterradora, com corredores apertados e cenários claustrofóbicos.

Arthur (Nick Blood) e sua esposa Claire (Emily Wiseman), que se encontra grávida (claro!), regressam a Brooklyn à casa onde o primeiro nasceu, na esperança de se reconectarem com o pai dele, dando a entender que os mesmos não se vêm há muito tempo. Assim que entram na casa, deparam-se imediatamente com um funeral em progresso, e pouco depois percebemos – o cenário deste filme de terror é uma casa de família que é ao mesmo tempo uma funerária e uma morgue. É uma casa de vários andares pintada de madeira escura, luzes antigas do tal laranja escurecido, mesmo ao jantar, que é consumido quase no escuro, e a morgue de paredes brancas que relembra ‘A Autópsia de Jane Doe’.

A receção a Art e Claire pelo pai Saul, interpretado por Allan Corduner, é calorosa e bem-vinda, dando-nos a exposição familiar que nos faz torcer pela família até percebermos que Art só voltou à casa onde cresceu por precisar de colocar o imóvel do pai como garantia ao banco, pois está prestes a perder a sua própria casa se não o fizer. O jantar é interrompido pela chegada de Heimish (Paul Kaye), o assistente de Saul, que traz o cadáver fresco do historiador que se suicidou na cena de abertura.

Voltando às raízes, Art oferece-se para ajudar o pai e o assistente a prepararem o corpo, começando ele o processo enquanto os outros dois abandonam a sala temporariamente. Ao abrir o saco, Art repara num amuleto preso no pescoço do cadáver, onde o mesmo selou Abyzou, e imediatamente comete o erro fatal de cortar o colar do amuleto, libertando o demónio. Daí para a frente, começa a jornada de destruição que tem como objetivo principal apoderar-se do bebé de Art e Claire.

The Offering é um filme sólido que não traz nada de inovador, mas que tem um twist interessante na narrativa. Sendo uma história sobre uma família de judeus, o mesmo oferece-nos uma dinâmica interessante em relação a Claire, cuja presença se destaca em todas as cenas, desde o sotaque (Claire é britânica), ao modo como se veste e apresenta, com cores mais coloridas ainda que conservadora, e cabelo loiro, paralelo a um mais clássico conjunto de guarda-roupa preto e branco de Saul e Heimish, assim como da maioria dos membros da comunidade que vão reaparecendo pela casa ao longo do filme.

Oliver Park faz um bom trabalho em mostrar e separar subtilmente essas dinâmicas visuais, tal como o argumento de Hoffman e Yunger balança bem a diferença de culturas, sem desrespeitar nenhuma, e de certa forma, elimina essas diferenças ao desafiar as personagens a confrontarem-se com o pior de si, dando poder ao conceito de família, que transcende tudo.

A realização é sólida, com um passo adequado e atmosfera claustrofóbica, mas, no entanto, o filme acaba por se tornar um bocado vítima da sua própria vontade de assustar. Vemos muitos fake outs ao longo do filme, com jump scares desnecessários de coisas que não representam ameaças, como um pássaro a voar rápido em frente à câmara, ou um grito longínquo que é acentuado por uma explosão melódica da banda sonora, são clichês que podem assustar na altura, mas que eventualmente só nos preparam para os sustos do climax. Quando damos por nós, estamos envolvidos porque queremos saber o que vai acontecer, não tanto porque estamos aterrorizados com a presença do demónio ou com o próximo susto de fazer arrepios na espinha.

Ainda, apesar de o espírito antagonista ter uma sólida presença demoníaca, pode-se argumentar de que o mesmo aparece por inteiro mais vezes que o necessário, quebrando um pouco a antecipação da sua revelação.

Não obstante a estes pequenos apontamentos, The Offering é um belo filme de terror realizado por um cineasta talentoso que já havia provado o seu potencial com a excelente curta-metragem ‘Vicious’, que oferece um twist interessante à história de possessão que é mais típica e representada na mitologia católica, e que apresenta um demónio que faz jus ao nome. Abyzou é representada como uma presença maléfica, astuta e manipuladora que está sempre um passo à frente das vítimas, mesmo quando estas são de facto inteligentes na luta contra a antagonista e não NPCS que fazem todos os disparates possíveis para caírem exatamente nas armadilhas tão óbvias.

Segue em anexo o trailer de ‘The Offering – A Maldição Do Diabo’.